Barulho
Busquei ouvir algo que me provocasse sossego. Lá fora, é selvagem. Não há uma canção que, rapidamente, me desperte para, com igual rapidez, me pôr num sono letárgico. Há, contudo, na janela, um mundo que promete conhecer a mansidão, mas que expõe a revolta de indivíduos fadados ao esquecimento. A soberba dos desgraçados, pífios e minúsculos transpira. Contraditório. Não os chamo de irrelevantes, pois o mundo é uma caricatura feita por um desses preguiçosos de uma metafísica já esquecida, a qual é anunciada em panfletos que, hoje, entopem bueiros pelos quais, ontem, corriam enchentes de lágrimas produzidas pelos sonhadores que, agora, estão parecidos com torneiras vazantes e que, então, eram confiantes num futuro ímpar. Todos são capazes de usar palavras bonitas e sonhar alto. Por isso, na busca pela minha identidade, realizo que, talvez, eu a encontre não no que sou nem no que quero ser - pois, assim, já há muitos iguais a mim -, mas na conformação sobre as coisas que não sou, a qual me atravessa ao puxar das rédeas das minhas vãs pretensões. Em última análise, defino-me, caso haja a exigência dum veredito, como tudo que não sou nem pretendo ser. E, ao olhar as ruas e ver sonhadores tão eloquentes e teatrais, com uma verve invejável, quanto eu, resolvo fechar os olhos. Logo, caminho ininterruptamente ao meu quarto à procura da janela. Vou ligeiramente até ela. Dessa forma, os livros espalhados no chão não me lembram que meus textos mais íntimos não são meus. Na janela quadrada, verde e cinza contrastam. Gigantes tomam banho de sol acompanhados por muitos outros que vem atrás. E eles colocam-se diante de mim. A imponência deles me faz buscar, sob seus joelhos, as árvores que restaram, as quais guardam ninhos de pássaros. Entre eles, há sempre algo novo e, talvez, o segredo do mundo. Os gigantes bloqueiam os raios de sol e, na penumbra, cria-se um universo, no qual não há fadiga, pretensão nem inveja e nunca se falou num Deus. Retorno do meu devaneio e busco sons. Ouço o farfalhar das árvores, as buzinas de carros e tento distinguir vozes. Essas fornecem a sensação das palavras estarem a evaporar no instante em que tocam as bocas cálidas. Resta-me o som do vento, mas, quando sinto decodificar a mensagem, sutil e carregada de contos pré-históricos, só ouço barulho.
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